sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

STJ - RECURSO REPETITIVO - Bloqueio de verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

Informativo n. 0532
Período: 19 de dezembro de 2013.

As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Secretaria de Jurisprudência, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.
 
Primeira Seção

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA GARANTIR O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

É possível ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento das partes, o bloqueio ou sequestro de verbas públicas como medida coercitiva para o fornecimento de medicamentos pelo Estado na hipótese em que a demora no cumprimento da obrigação acarrete risco à saúde e à vida do demandante. De acordo com o caput do art. 461 do CPC, na “ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento”. O teor do § 5º do mesmo art. 461, por sua vez, estabelece que, para “a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”. Nesse contexto, deve-se observar que não é taxativa a enumeração, no aludido § 5º do art. 461, das medidas necessárias à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, tendo em vista a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas relacionadas à norma. Dessa forma, é lícito o magistrado adotar, com o intuito de promover a efetivação da tutela, medida judicial que não esteja explicitamente prevista no § 5º do art. 461, mormente na hipótese em que a desídia do ente estatal frente a comando judicial possa implicar grave lesão à saúde ou risco à vida da parte demandante, uma vez que, nessas hipóteses, o direito fundamental à saúde (arts. 6º e 196 da CF) prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Nacional. Precedentes citados: EREsp 770.969-RS, Primeira Seção, DJ 21/8/2006; REsp. 840.912-RS, Primeira Turma, DJ 23/4/2007; e REsp. 1.058.836/RS, Segunda Turma, DJe 1º/9/2008. REsp 1.069.810-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2013.


EMENTA
 
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5o. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08⁄2008 DO STJ. 

1.Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 

2.Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08⁄2008 do STJ. 



ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. 
 
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Eliana Calmon, Arnaldo Esteves Lima e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. 
 
Sustentaram, oralmente, os Drs. ANTONIO DE MAIA E PÁDUA, pela recorrente, e GUILHERME DE ESCOBAR GUASPARI, pelo recorrido.
 
 
Brasília⁄DF, 23 de outubro de 2013 (Data do Julgamento).
 
 
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
MINISTRO RELATOR





RELATÓRIO
 
 
1.Trata-se de Recurso Especial interposto por NEIDA TEREZINHA GARLET BELLE, com fulcro no art. 105, III, a da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que deu provimento ao Agravo de Instrumento interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, ora recorrido, para afastar o bloqueio de verbas públicas determinado pelo Juízo de Primeiro Grau, no caso de inadimplemento da obrigação de fornecer medicamentos. 

2.Nas razões do Apelo Raro, aduz a recorrente violação aos arts. 461, § 5o. e 461-A do CPC, sustentando que a determinação de bloqueio nas contas do Estado do valor necessário à aquisição da medicação, confere maior eficácia e agilidade na prestação jurisdicional.

3.Não foram apresentadas contrarrazões (fls. 104). 

4.Admitido o Recurso Especial na origem, subiram os autos à apreciação desta Corte Superior. 

5.O ilustre Ministro LUIZ FUX, Relator primevo do presente feito, submeteu o Recurso Especial ao procedimento do art. 543-C do CPC – Recurso Repetitivo –, afetando-o a esta 1a. Seção desta Corte Superior (art. 2o., § 1o. da Resolução 08⁄2008 do STJ). 

6.Às fls. 608⁄610, foi deferido, pelo eminente Ministro LUIZ FUX, o pedido de tutela, realizado pelo MPF, para que o medicamento seja fornecido com continuidade. 

7.Cumpridas as formalidades da norma processual civil quanto aos Recursos Repetitivos, o Ministério Público Federal, representado pelo ilustre Subprocurador-Geral da República MOACIR GUIMARÃES MORAIS FILHO, opinou pelo provimento do Recurso Especial, nos termos da seguinte ementa: 

1. Processual civil. Recurso especial representativo da controvérsia. Fornecimento de medicamento necessário ao tratamento de saúde, sob pena de bloqueio ou seqüestro de verbas do Estado a serem depositadas em conta-corrente. Violação ao art. 461, § 5o. e 461-A, ambos do CPC.
2. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do recurso especial, para que o acórdão recorrido seja reformado, a fim de restabelecer a sanção de bloqueio de verbas públicas fixada pela decisão interlocutória de primeiro grau (fls. 626).

8.É o relatório.



 
VOTO
 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5o. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08⁄2008 DO STJ. 

1.Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. 

2.Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 08⁄2008 do STJ. 

1.Cinge-se a presente controvérsia em saber se é possível ao Juiz, tendo em vista as disposições constitucionais e processuais a respeito da matéria, determinar, em ação ordinária, o fornecimento de medicamento para portadores de doença grave, sob pena de bloqueio ou sequestro de verbas do Estado a serem depositadas em conta corrente.

2.Dispõe o art. 461, § 5o. do Código de Processo Civil:

Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...).
§ 5o. - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

3.Vê-se da leitura do artigo supracitado que o legislador possibilitou ao Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, determinar a medida que, ao seu juízo, mostrar-se mais adequada para tornar efetiva a tutela almejada. A norma apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. 

4.Dessa forma, é lícito ao Julgador, diante das circunstâncias do caso concreto, aferir o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. Mormente no caso em apreço, no qual a desídia do ente estatal frente ao comando judicial emitido pode resultar em grave lesão à saúde ou mesmo por em risco a vida da parte demandante. 

5.Sendo certo, portanto, que o sequestro ou o bloqueio da verba necessária à aquisição dos medicamentos objeto da tutela deferida no Juízo Singular, mostra-se válida e legítima

6.Frise-se, ainda que, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados (AgRg no REsp 1002335⁄RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 22.09.2008).

7.     Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na preservação da saúde da demandante com o fornecimento dos medicamentos adequados, em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou  Administrativo. Vale transcrever as disposições insertas nos arts. 6o. e 196 da Carta Magna:

Art. 6o. - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
 
8.Não desconheço que há entendimentos judiciais não raras vezes subordinando a eficácia de princípios constitucionais ao implemento de normas de hierarquia inferior, como que invertendo a famosa pirâmide kelseniana, ao fazer com que a Constituição seja interpretada a partir de dispositivos que lhe são subalternos; nessa prática judicial, se retira dos princípios constitucionais a sua decantada força normativa e praticamente se os devolve à pretérita fase positivista da exegese constitucional, que o mestre PAULO BONAVIDES chama de velha hermenêutica (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 2008), quando os princípios eram considerados exteriores à normatividade da Constituição. 

9.Autores como o professor KONRAD HESSE (A Força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Fabris, 1991) e o professor NOBERTO BOBBIO (A Era dos Direitos, tradução Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992), que elaboraram sofisticado sistema intelectual para a compreensão jurídica do poder normativo da Constituição, tornam-se, nesse ambiente, meros propositores de abstracionismos ou de ideias generosas, mas vazias, promessas sonoras, mas improváveis e frases pomposas que não passam de sons inúteis.

10.Tenho afirmado, em várias oportunidades, que a interpretação constitucional não pode ficar a mercê de provimentos ordinários (As Normas Escritas e os Princípios Jurídicos, Fortaleza, Curumin, 2005), tanto por causa da sua supremacia, como já proclamava o Professor RAUL MACHADO HORTA (Direito Constitucional, Belo Horizonte, DelRey, 1999), quanto por causa da manifesta insuficiência do quadro normativo para dar conta da complexa trama social das relações jurídicas, consoante magistralmente revelado pelo Professor LOURIVAL VILANOVA (As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo, São Paulo, Max Limonad, 1997).

11.Corroborando o posicionamento ora esposado, trago à colação excerto do voto condutor do acórdão proferido pela egrégia 1a. Turma, nos autos do REsp. 840.912⁄RS, de relatoria do ilustre Ministro TEORI ZAVASCKI, DJ de 23.04.2007, que bem destacou o ponto constitucional da questão ora controvertida:

4. Todavia, o regime constitucional de impenhorabilidade dos bens públicos e da submissão dos gastos públicos decorrentes de ordem judicial a prévia indicação orçamentária deve ser conciliado com os demais valores e princípios consagrados pela Constituição. Estabelecendo-se, entre eles, conflito específico e insuperável, há de se fazer um juízo de ponderação para determinar qual dos valores conflitantes merece ser específica e concretamente prestigiado. Ora, a jurisprudência do STF tem enfatizado, reiteradamente, que o direito fundamental à saúde prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o primeiro em prejuízo do segundo. É o que demonstrou o Min. Celso de Mello, em decisão proferida no RE 393.175, de 1º⁄02⁄06 (transcrita no Informativo 414, do STF): 

Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246⁄SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, 'Comentários à Constituição de 1988', vol. VIII⁄4332-4334, item n. 181, 1993, Forense Universitária) - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas - preventivas e de recuperação -, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art. 196, a Constituição da República.

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde - que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas - impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais - que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, 'Poder Constituinte e Poder Popular', p. 199, itens ns. 20⁄21, 2000, Malheiros) -, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Todas essas razões levam-me a acolher a pretensão recursal deduzida nos presentes autos, ainda mais se se considerar que o acórdão ora recorrido diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou no exame da matéria em causa (RTJ 171⁄326-327, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – AI 462.563⁄RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 486.816-AgR⁄RJ, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 532.687⁄MG, Rel. Min. EROS GRAU – AI 537.237⁄PE, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RE 195.192⁄RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 198.263⁄RS, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RE 237.367⁄RS, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – RE 242.859⁄RS, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 246.242⁄RS, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RE 279.519⁄RS, Rel. Min. NELSON JOBIM – RE 297.276⁄SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 342.413⁄PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RE 353.336⁄RS, Rel. Min. CARLOS BRITTO – AI 570.455⁄RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):

'PACIENTE COM HIV⁄AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
- O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
- O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE.
- O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.
- O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV⁄AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.'
(RTJ 175⁄1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO)"


5. Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o da impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro sobre o segundo. Sendo urgente e impostergável a aquisição do medicamento, sob pena de grave comprometimento da saúde da demandante, não teria sentido algum submetê-la ao regime jurídico comum, naturalmente lento, da execução por quantia certa contra a Fazenda Pública. Assim, pode-se ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente. Assinale-se que, no caso concreto, não se põe em dúvida a necessidade e a urgência da aquisição do medicamento.
 
12.Ressalte-se, por fim, que a medida necessária à efetivação da tutela específica ou à obtenção do resultado prático equivalente, deve ser concedida apenas em caráter excepcional, onde haja nos autos comprovação de que o Estado não esteja cumprindo a obrigação de fornecer os medicamentos pleiteados e a demora no recebimento acarrete risco à saúde e à vida do demandante

13.As Turmas que compõem esta egrégia 1a. Seção já se manifestaram em diversos julgados nessa mesma linha de entendimento, confiram-se:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ARTS. 461, § 5º, E 461-A DO CPC. BLOQUEIO DE VALORES. POSSIBILIDADE.

1. É possível o bloqueio de verbas públicas e a fixação de multa (astreintes) para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.

2. Recurso especial provido (REsp. 1.058.836⁄RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, DJe 01.09.2008).

² ² ²
 
PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ANÁLISE DE VIOLAÇÃO DE ARTIGO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE.

1. É vedado ao STJ analisar violação de dispositivo constitucional, por se tratar de competência reservada pela Constituição Federal ao Supremo Tribunal Federal.

2. Possibilidade de bloqueio de valores em contas públicas para garantir o fornecimento de medicamentos pelo Estado.
3. Agravo Regimental não provido (AgRg no REsp. 1.063.825⁄RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2008).

² ² ²
 
PROCESSUAL  CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO. MEDIDAS EXECUTIVAS. BLOQUEIO DE VALORES DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE (ART. 461, § 5º, DO CPC). MEDIDA EXCEPCIONAL. PRECEDENTES DO STJ. DESPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.

1. O entendimento pacífico desta Corte Superior é no sentido de que é possível ao juiz - de ofício ou a requerimento da parte -, em casos que envolvam o fornecimento de medicamentos a portador de doença grave, determinar medidas executivas para a efetivação da tutela, inclusive a imposição do bloqueio de verbas públicas, ainda que em caráter excepcional. 

2. Nesse sentido, os seguintes precedentes: EREsp 770.969⁄RS, 1ª Seção, Rel. Min. José Delgado, DJ de 21.8.2006, p. 224; EREsp 787.101⁄RS, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.8.2006, p. 258.

3. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp. 936.011⁄RS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe 12.05.2008).

² ² ²
 
ADMINISTRATIVO. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

I - O atual entendimento desta Colenda Primeira Turma é no sentido da possibilidade do bloqueio de valores em contas públicas para garantir o custeio de tratamento médico ou fornecimento de medicamentos indispensáveis à manutenção da saúde e da vida. Precedentes: EREsp nº 770.969⁄RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Primeira Seção, DJ de 21.08.2006; EREsp nº 787.101⁄RS, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Seção, DJ de 14.08.2006; REsp nº 832.935⁄RS, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 30.06.2006.

II - Inviável a apreciação dos fundamentos adotados pelo STF na apreciação da Suspensão de Tutela Antecipada - STA 91, seja porque tal argumentação fora trazida apenas nesta sede regimental como verdadeira emenda à petição de recurso especial, afrontando os Princípios da Preclusão, da Eventualidade e da Complementaridade, seja porque tais fundamentos são de ordem eminentemente constitucional, cujo exame é reservado ao Supremo Tribunal Federal, não podendo esta Corte nesta sede especial sobre eles se manifestar sequer a título de prequestionamento.

III - Agravo regimental improvido (AgRg na REsp. 920.468⁄RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ 31.05.2007). 


14.Da mesma forma, no âmbito desta egrégia 1a. Seção, porém, com diversa composição dos pares, a matéria ora em debate já foi objeto de discussão, como se vê da seguinte julgado, dentre outros:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E FORNECIMENTO DE REMÉDIOS. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, § 5º, DO CPC. INEXISTÊNCIA DO APONTADO DISSENSO PRETORIANO. PRECEDENTES. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO-PROVIDOS.

1. Em exame embargos de divergência manejados pelo Estado do Rio Grande do Sul, em impugnação a acórdão que entendeu cabível o bloqueio de verbas públicas em situações excepcionais, tais como a necessidade imediata da preservação da saúde da pessoa humana, mediante o fornecimento de medicação em caráter de urgência, sob risco de óbito do suplicante. O aresto embargado, proferido pela 2ª Turma, tem a ementa seguinte (fl. 111):

"ADMINISTRATIVO PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO. MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE. ART. 461, CAPUT E § 5º DO CPC.
1. Além de prever a possibilidade de concessão da tutela específica e da tutela pelo equivalente, o CPC armou o julgador com uma série de medidas coercitivas, chamadas na lei de "medidas necessárias", que têm como escopo o de viabilizar o quanto possível o cumprimento daquelas tutelas.
2. As medidas previstas no § 5º do art. 461 do CPC foram antecedidas da expressão "tais como", o que denota o caráter não-exauriente da enumeração. Assim, o legislador deixou ao prudente arbítrio do magistrado a escolha das medidas que melhor se harmonizem às peculiaridades de cada caso concreto.
3. Submeter os provimentos deferidos em antecipação dos efeitos da tutela ao regime de precatórios seria o mesmo que negar a possibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o próprio Pretório Excelso já decidiu que não se proíbe a antecipação de modo geral, mas apenas para resguardar as exceções do art. 1º da Lei 9.494⁄97.
4. O disposto no caput do artigo 100 da CF⁄88 não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor, de modo que, ainda que se tratasse de sentença de mérito transitada em julgado, não haveria submissão do pagamento ao regime de precatórios.
5. Em casos como o dos autos, em que a efetivação da tutela concedida está relacionada à preservação da saúde do indivíduo, a ponderação das normas constitucionais deve privilegiar a proteção do bem maior que é a vida.
6. Recurso especial improvido." (REsp 770.969⁄RS, DJ 03⁄10⁄2005, 2ª Turma,  Rel. Min. Castro Meira)
A título de paradigma, o Estado requerente indicou o Resp 766.480⁄RS, o qual, segundo alega, dispõe não ser possível o seqüestro de dinheiro ou de outros bens públicos. Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. MEIOS DE COERÇÃO AO DEVEDOR (CPC, ARTS. 273, §3º E 461, §5º). FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO.
BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. É cabível, inclusive contra a Fazenda Pública, a aplicação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva de obrigação de fazer ou entregar coisa, nos termos dos artigos 461 e 461A do CPC. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ, como se pode verificar, por exemplo, nos seguintes precedentes: AgRg no Ag 646240⁄RS, 1ª T., Min. José Delgado, DJ de 13.06.2005; RESP 592132⁄RS, 5ª T., Min. José Arnaldo
da Fonseca, DJ de 16.05.2005; AgRg no RESP 554776⁄SP, 6ª T., Min. Paulo Medina, DJ de 06.10.2003; AgRg no REsp 718011⁄TO, 1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 30.05.2005.
2. Todavia, não se pode confundir multa diária (astreintes), com bloqueio ou seqüestro de verbas públicas. A multa é meio executivo de coação, não aplicável a obrigações de pagar quantia, que atua sobre a vontade do demandado a fim de compeli-lo a satisfazer, ele próprio, a obrigação decorrente da decisão judicial. Já o seqüestro (ou bloqueio) de dinheiro é meio executivo de sub-rogação, adequado a obrigação de pagar quantia, por meio do qual o Judiciário obtém diretamente a satisfação da obrigação, independentemente de participação e, portanto, da vontade do obrigado.
3. Em se tratando da Fazenda Pública, qualquer obrigação de pagar quantia, ainda que decorrente da conversão de obrigação de fazer ou de entregar coisa, está sujeita a rito próprio (CPC, art. 730 do CPC e CF, art. 100 da CF), que não prevê, salvo excepcionalmente (v.g., desrespeito à ordem de pagamento dos precatórios judiciários), a possibilidade de execução direta por expropriação mediante seqüestro de dinheiro ou de qualquer outro bem público, que são impenhoráveis.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido." (REsp 766.480⁄RS, DJ 03⁄10⁄2005, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki)

2. Em situações reconhecidamente excepcionais, tais como a que se refere ao urgente fornecimento de medicação, sob risco de perecimento da própria vida, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é reiterada no sentido do cabimento do bloqueio de valores diretamente na conta corrente do Ente Público.

3. Com efeito, o art. 461, § 5º, do CPC ao referir que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, “determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ou cousas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, apenas previu algumas medidas cabíveis na espécie, não sendo, contudo, taxativa a sua enumeração. De tal maneira, é permitido ao julgador, à vista das circunstâncias do caso apreciado, buscar o modo mais adequado para tornar efetiva a tutela almejada, tendo em vista o fim da norma e a impossibilidade de previsão legal de todas as hipóteses fáticas. É possível, pois, em casos como o presente, o bloqueio de contas públicas.

4. Tal como se evidencia, não há divergência jurisprudencial a ser dirimida, ao contrário, como restou demonstrado, o acórdão embargado está em absoluta sintonia com o entendimento aplicado à questão por este Superior Tribunal de Justiça, que admite, em situações excepcionais, o bloqueio direto de verbas públicas.

5. No caso, a autorização excepcional para o bloqueio de valores públicos objetivou o fornecimento de medicação, em caráter de urgência, à parte suplicante, sob pena de comprometimento da própria vida. 

6. Embargos de divergência não-providos (EREsp 770.969⁄RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 21.08.2006).

15.Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial, a fim de anular o acórdão recorrido, restabelecendo a decisão do Juízo de Primeiro Grau que determinou o bloqueio de verbas públicas como medida coercitiva para o devido cumprimento da obrigação de fornecer o medicamento à ora recorrente.  

16.Por tratar-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fins de cumprimento do disposto no parágrafo 7o. do art. 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5o., II, e 6o. da Resolução 08⁄2008 do STJ). 
 
 
É o voto.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

STJ - Multa Administrativa - Execução Fiscal - Compatibilidade das sanções administrativas do CDC com a atividade regulatória da ANATEL.

Informativo nº 0408
Período: 21 a 25 de setembro de 2009.
Segunda Turma
MULTA. PROCON. COMPATIBILIDADE. ANATEL.
Trata-se de embargos à execução em que o ora recorrente pretende desconstituir título executivo extrajudicial correspondente à multa aplicada por Procon municipal à concessionária de serviço de telefonia. Conforme demonstram os autos, a referida multa resultou do descumprimento de determinação daquele órgão de defesa do consumidor que estipulou o prazo de 10 dias para a instalação de linha telefônica. Quando as condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse do consumidor, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido pelo sistema nacional de defesa do consumidor. Tal atuação não se confunde com a atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária. Na espécie, a sanção aplicada não se referiu ao descumprimento do plano geral de metas traçado pela Anatel, mas tem relação com a qualidade dos serviços prestados pela empresa de telefonia que, mesmo após firmar compromisso, deixou de resolver a situação do consumidor prejudicado pela não instalação da linha telefônica. Assim, a atuação do Procon teve por finalidade imediata a proteção do consumidor, logo é legítima. REsp 1.138.591-RJ, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 22/9/2009.


EMENTA
 
PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO PROCON. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. NÃO CONHECIMENTO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DOSIMETRIA DA SANÇÃO. VALIDADE DA CDA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 07⁄STJ. COMPETÊNCIA DO PROCON. ATUAÇÃO DA ANATEL. COMPATIBILIDADE.
 
1. A recorrente visa desconstituir título executivo extrajudicial correspondente à multa aplicada por Procon municipal à concessionária do serviço de telefonia. A referida penalidade resultou do descumprimento de determinação daquele órgão de defesa do consumidor concernente à instalação de linha telefônica no prazo de 10 (dez) dias.
 
2. No que concerne à alegação de divergência jurisprudencial, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, ante a ausência de similitude fática entre o acórdão paradigma e o acórdão impugnado. Com efeito, o exame da razoabilidade e da proporcionalidade das multas aplicadas nos acórdãos cotejados foi apreciado sob o contexto específico de cada caso concreto, que retratam condutas diversas, com peculiaridades próprias e potenciais ofensivos distintos.
 
3. Não se conhece do recurso no tocante à apontada contrariedade aos arts. 17, 24, 25, 26 e 28 do Decreto Federal 2.181⁄97; e ao art. 57 do CDC, pois realizar a dosimetria da multa aplicada implica no revolvimento dos elementos fáticos probatórios da lide, ensejando a aplicação da Súmula 07⁄STJ. Verifica-se o mesmo óbice quanto à aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa - CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade e regularidade.
 
4. Não há violação ao art. 535, II, do CPC quando o acórdão recorrido examina todos os pontos relevantes à resolução da lide, apenas não acolhendo a tese sustentada pela recorrente.
 
5. Sempre que condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse de consumidores, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no âmbito do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Tal atuação, no entanto, não exclui nem se confunde com o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo, da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária.
 
6. No caso, a sanção da conduta não se referiu ao descumprimento do Plano Geral de Metas traçado pela ANATEL, mas guarda relação com a qualidade dos serviços prestados pela empresa de telefonia que, mesmo após firmar compromisso, deixou de resolver a situação do consumidor prejudicado pela não instalação da linha telefônica.
 
7. Recurso conhecido em parte e não provido.
 
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
 
 
Brasília, 22 de setembro de 2009(data do julgamento).
 
 
Ministro Castro Meira 
Relator


RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de recurso especial fundamentado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional e interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:
 
APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. PENALIDADE ADMINISTRATIVA APLICADA PELO PROCON EM RAZÃO DO DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONSUMERISTA. HARMONIA ENTRE A LEI GERAL DE TELECOMUNICAÇÕES E A DISCIPLINA NORMATIVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. O VALOR DA MULTA APLICADA PELO FISCO SE MOSTRA PROPORCIONAL COM A GRAVIDADE DA INFRAÇÃO COMETIDA PELA APELANTE. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (e-STJ - fl. 248).
 
A recorrente alega que houve negativa de vigência ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, porquanto não se examinou no acórdão recorrido a alegação de nulidade do processo administrativo fundamentada no art. 40, II, do Decreto Federal nº 2.181⁄97. Argumenta que não foi descrito o fato constitutivo da infração, nem a narrativa dos fatos "a amparar a suposta infringência aos dispositivos lá citados e, ainda, as intimações não foram regular e efetivamente realizadas na pessoa do representante legal habilitado" (e-STJ fl. 271). Afirma, ainda, que o acórdão vergastado foi omisso quanto ao fundamento de que estaria sendo cumprido o Plano Geral de Metas para a universalização do serviço telefônico fixo instituído pela ANATEL, assim como não se manifestou a respeito da exorbitância do valor da multa administrativa imposta.
 
Aponta ofensa aos arts. 17, 24, 25, 26 e 28 do Decreto Federal 2.181⁄97, bem como ao art. 57 do Código de Defesa do Consumidor - CDC. Aduz que não houve justificativa suficiente para a fixação da multa em patamar superior ao mínimo previsto. Acrescenta que essa sanção foi aplicada tão somente em razão de suposta desobediência praticada pela recorrente, não tendo sido fundamentada em qualquer transgressão às normas de proteção ao consumidor. Destaca que a multa administrativa não observou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois resultou da reclamação de um único usuário, que foi atendida no prazo estipulado pelo Procon.
 
Afirma que o acórdão recorrido contrariou o art. 19, IV e VII, da Lei 9.472⁄97 e o art. 19, parágrafo único, do Decreto nº 2.338⁄97,  haja vista que a atuação dos órgãos de defesa do consumidor depende de prévia coordenação da ANATEL, sob pena de se usurpar a competência da agência reguladora.
 
No que atine ao valor da multa aplicada, explicita que o acórdão impugnado divergiu de julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível nº 70006348064.
 
É o relatório.
 


VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): Cuida-se de embargos à execução em que a ora recorrente pretende desconstituir título executivo extrajudicial correspondente à multa aplicada por Procon municipal à concessionária do serviço de telefonia. Segundo consta dos autos, a referida multa resultou do descumprimento de determinação daquele órgão de defesa do consumidor concernente à instalação de linha telefônica no prazo de 10 (dez) dias.
 
A Corte a quo reconheceu a validade do título exequendo, rechaçando a alegativa de nulidade do processo administrativo e entendendo que a atividade regulatória da ANATEL não exclui a competência do Procon para aplicar multas pelo descumprimento da legislação consumerista. 
 
No presente recurso, a recorrente aponta a existência de omissão no acórdão impugnado, bem como a ofensa aos arts. 17, 24, 25, 26 e 28 do Decreto Federal 2.181⁄97; ao art. 57 do CDC, ao art. 19, IV e VII, da Lei 9.472⁄97 e ao art. 19, parágrafo único, do Decreto nº 2.338⁄97. Fundamenta, ainda, a irresignação na alínea "c" do permissivo constitucional, indicando como acórdão paradigma o proferido na Apelação Cível nº 70006348064, julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
 
No atinente à alegação de divergência jurisprudencial, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade, ante a ausência de similitude fática entre o acórdão paradigma e o acórdão impugnado. Com efeito, o exame da razoabilidade e da proporcionalidade das multas aplicadas nos acórdãos cotejados foram apreciadas sob o contexto específico de cada caso concreto, que retratam condutas diversas, com peculiaridades próprias e potenciais ofensivos distintos.
 
Também não conheço do recurso no tocante à apontada contrariedade aos arts. 17, 24, 25, 26 e 28 do Decreto Federal 2.181⁄97  e ao art. 57 do CDC, pois a alteração da dosimetria da multa aplicada implicaria no revolvimento dos elementos fáticos probatórios da lide, ensejando a aplicação da Súmula 07⁄STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
 
Nesse sentido, observem-se os seguintes precedentes:
 
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. EFLUENTES LANÇADOS POR ABATEDOURO NO RIO VERDE. CUMULAÇÃO DAS SANÇÕES DE MULTA E EMBARGO. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA SANÇÃO. SÚMULA 07. VIOLAÇÃO DOS ART. 7º DA LEI 1533⁄51 E ART. 28 DA LEI 6437⁄77. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356⁄STF.
 
1. A aferição da suposta violação de princípios constitucionais; in casu contraditório e ampla defesa, não enseja recurso especial.
 
2. A proporcionalidade da pena, imposta à luz da gravidade da infração, dos antecedentes do infrator e da situação econômica deste, com supedâneo no art. 6º da Lei nº 9.605⁄98, demanda reexame de matéria fática, insindicável por esta Corte, em sede de recurso especial, ante a incidência da Súmula 07⁄S.T.J.
 
3. A simples indicação dos dispositivos tidos por violados (art. 7º da Lei 1533⁄51 e art. 28 da Lei 6437⁄77), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF.
 
4. A título de argumento obiter dictum, cumpre destacar que na exegese dos arts. 6º e 21 da Lei 9.605⁄98, mercê do necessário temperamento na dosimetria na aplicação da sanção administrativa, porquanto possibilita à autoridade competente, observando os elementos fáticos enumerados nos incisos I, II e II do art. 6º, adequar, de forma exemplar, a reprimenda a ser aplicada ao agente poluidor, não afasta a imposição cumulativa das sanções administrativas, posto expressamente prevista no art. 21 da legislação in foco.
 
5. Deveras, a violação a decreto tout court não enseja a interposição de Recurso Especial, uma vez que esses atos normativos não se enquadram no conceito de "lei federal" inserto no art. 105, III, "a", da Constituição Federal. Precedentes do STJ: REsp 861.045⁄RS, Segunda Turma, DJ 19.10.2006 e REsp 803.290⁄RN, Segunda Turma, DJ 17.08.2006 .
 
6.  Recurso especial não conhecido. (REsp 873.655⁄PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15.09.2008 - grifos nossos).
 
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. DIMINUIÇÃO DO VALOR DA MULTA APLICADA SUNAB. LEI DELEGADA Nº 4⁄62. ANÁLISE DE PROVAS. SÚMULA 7⁄STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. ART. 112, II E IV, DO CTN. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
SÚMULAS 282 E 356⁄STF.
 
1. O Tribunal a quo não emitiu juízo de valor acerca do art.  112, incisos II e IV do CTN. Incide, in casu, e por analogia, o disposto nas Súmulas  282 e 356 do STF.
 
2. Quanto ao valor da multa aplicada, de mister ressaltar que Corte regional, consoante o disposto no art. 11 da Lei Delegada nº 4⁄62, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.881⁄94, diminuiu-a com base na prova dos autos. Com efeito, para reduzí-la, considerou o faturamento mensal da empresa bem como a ausência de prova de reincidência em infração da mesma espécie. Solução em contrário à adotada pela instância inferior, demandaria revolver o conjunto fático-probatório dos autos, circunstância que esbarra no óbice do disposto na Súmula 7 desta Corte.
 
3. Falta de combate a ponto nodal do aresto recorrido, qual seja, de inexistir comprovação de reincidência em infração da mesma espécie. Súmulas 283 e 284 do STF.
 
4. Recurso especial não conhecido. (REsp 670.830⁄PE, Rel. Min. Castro Meira, DJ 14.11.2005 - sem destaques no original).
 
 
Ademais, ao apreciar as provas dos autos, o Tribunal de origem expressamente reconheceu a razoabilidade e a proporcionalidade da sanção aplicada, consignando que o valor da multa está em consonância com a gravidade da infração (e-STJ fl.252).
 
Outrossim, a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa - CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade e regularidade, também não prescinde do exame de matéria fática, diligência incompatível com a natureza do recurso especial, a teor da aludida Súmula 7⁄STJ.
 
Em relação à mencionada violação ao art. 535, II, do CPC, entendo que o acórdão estadual examinou todos os pontos relevantes à resolução da lide, apenas não acolhendo a tese sustentada pela recorrente. Confira-se, a propósito, os seguintes trechos do acórdão impugnado:
 
Não convencem os argumentos sustentados pelo embargante no sentido de que a execução merece ser extinta, sob a alegação de que processo administrativo é nulo porque falece competência ao órgão municipal para aplicar sanções de natureza consumerista.
 
Isto porque, como muito bem salientou o laborioso Parquet Estadual, não somente há previsão legal expressa no bojo do Decreto nº 2.181⁄97 conferindo competência ao Procon - porquanto órgão integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - para aplicar multa a empresas que descumprirem a legislação consumerista, como a existência da ANATEL não afasta a atribuição do PROCON.
 
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Da mesma forma, verifica-se nos autos que a Certidão de Dívida Ativa apresentada pelo Fisco da Comuna de Duque de Caxias preenche os requisitos pertinentes à sua eficácia jurídica. Não há que se falar, portanto, de qualquer nulidade no processo administrativo fiscal.
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Ademais, das cópias do processo administrativo transladas ao feito é possível constatar que o poder público intimou a embargante de todos os atos praticados, possibilitou a sua defesa, bem como somente aplicou a sanção administrativa após o inadimplemento do compromisso firmado pelo preposto da concessionária (fls. 29 e 34).
 
No que tange ao valor fixado para fins de cálculo da multa, a apelação, igualmente, não merece prosperar, porquanto o valor da penalidade se mostra razoável e proporcional à gravidade da infração perpetrada pela embargante que descumpriu seu dever de prestar o serviço de forma adequada. (e-STJ fls. 249-252).
 
Por fim, no que tange à competência do Procon para aplicar a multa em debate, bem como à compatibilidade da atuação do aludido órgão municipal e a agência reguladora (ANATEL) - apontada ofensa ao art. 19, IV e VII, da Lei 9.472⁄97 e ao art. 19, parágrafo único, do Decreto nº 2.338⁄97 - penso que também não assiste razão à recorrente, pois a multa aplicada resultou do descumprimento de determinação do órgão de defesa do consumidor, cuja atuação visou respaldar diretamente o interesse consumerista consubstanciado na prestação adequada do serviço público.
 
O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu um microssistema normativo, cercando-se de normas de caráter geral e abstrato e contemplando preceitos normativos de diversas naturezas: direito civil, direito administrativo, direito processual, direito penal.
 
A infraestrutura protetiva do consumidor, dessa feita, denomina-se de Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e consiste no conjunto de órgãos públicos e entidades privadas responsáveis direta ou indiretamente pela promoção da defesa do consumidor.
 
Os Procons foram concebidos como entidades ou órgãos estaduais e municipais de proteção ao consumidor, criados no âmbito das respectivas legislações competentes para fiscalizar as condutas infrativas, aplicar as penalidades administrativas correspondentes, orientar o consumidor sobre seus direitos, planejar e executar a política de defesa do consumidor nas suas respectivas áreas de atuação, entre outras atribuições.
 
Portanto, o exercício da atividade de polícia administrativa é diferido conjuntamente a órgãos das diversas esferas da federação, sujeitando os infratores às sanções previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, regulamentadas pelo Decreto 2.181⁄97.
 
Entre as sanções aplicáveis aos que infringirem as normas consumeristas, pode-se citar: multa, apreensão do produto, cassação do registro do produto junto ao órgão competente, suspensão de fornecimento de produtos ou serviços, suspensão temporária de atividade, interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade, imposição de contrapropaganda.
 
O § 1º do art. 18 do mencionado Decreto esclarece que poderá ser apenado pelas infrações administrativas contra as relações de consumo aquele que, por ação ou omissão, der causa à prática infrativa, concorrer para a prática ou dela se beneficiar.
 
Dessarte, sempre que condutas praticadas no mercado de consumo atingirem diretamente o interesse de consumidores, é legítima a atuação do Procon para aplicar as sanções administrativas previstas em lei, no regular exercício do poder de polícia que lhe foi conferido no âmbito do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Tal atuação, no entanto, não exclui nem se confunde com o exercício da atividade regulatória setorial realizada pelas agências criadas por lei, cuja preocupação não se restringe à tutela particular do consumidor, mas abrange a execução do serviço público em seus vários aspectos, a exemplo, da continuidade e universalização do serviço, da preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e da modicidade tarifária.
 
Na hipótese em exame, ao contrário do que argumenta a recorrente, a sanção aplicada não se referiu ao descumprimento do Plano Geral de Metas traçado pela ANATEL, mas tem relação com a qualidade dos serviços prestados pela empresa de telefonia que, mesmo após firmar compromisso, deixou de resolver a situação do consumidor prejudicado pela não instalação da linha telefônica (fls. 29 e 34). Nesse contexto, a atuação do órgão especializado consumerista teve por finalidade imediata a proteção do consumidor, sendo, portanto, inteiramente legítima.
 
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e nego-lhe provimento.
 
É como voto.